quinta-feira, 7 de novembro de 2013

O Papel da Filosofia na Educação da sustentabilidade

A Leitura do Mundo nos mostra o planeta em perigo nas diversas dimensões sejam elas social, ambiental, econômica, cultural, espacial etc. O pensamento filosófico, defendido como Leitura de Mundo por Paulo Freire, na educação poderá resgatar valores que atravessam a história e que hoje são essenciais para a sustentabilidade planetária em suas diversas dimensões.

As civilizações antigas, indígenas e diversas culturas partiam de uma mitologia que imaginava a natureza tão viva quanto eles próprios, sentiam que as coisas seguiam um ritmo ordenado de equilíbrio e harmonia, a citar a configuração das estrelas e planetas, no ciclo das estações, na função das espécies animais e vegetais, estes ritmos ordenados poderiam ser perturbados pelo caos, rapidamente, entretanto, o equilíbrio se restabelecia, dinâmico, em uma nova ordem. Na Grécia antiga, curiosamente esse grande ser vivo era chamado de Gaia, deusa Mãe primordial, geradora de todos os deuses, a deusa-terra, livre de nascimento ou destruição, de tempo e espaço, de forma ou condição.

Com avanços científicos a ciência passou a se afastar de mitos, a visão mecanicista penetrou no modo de vida da sociedade. Relógios e horários substituíram o sol, assim os governos, as famílias, o sistema educacional, foram programados pelos hábitos, surgiu à ideologia que, a tecnologia poderia manter tanto a natureza como a sociedade sob controle.

Neste início de século XXI os progressos alcançados pela sociedade do conhecimento, o esgotamento de recursos e os danos provocados ao meio-ambiente pela legitimação dada ao processo produtivo, na busca de enriquecimento independente do aumento nos desequilíbrios que esse processo estivesse ocasionando, tais como, acentuação da exclusão social e concentração de riqueza, fizeram no mínimo questionar os modelos econômicos atualmente empregados.

A razão do ser humano moderno é voltada para conhecer e produzir. Passamos, então, a falar de uma produção científica (ciências) e de uma produção física, de objetos para o consumo humano (técnicas).
Cada ciência cuida de um campo da realidade e passa a organizar os conhecimentos dizendo o que é legítimo ou não. Em primeiro lugar esta o interesse técnico. Este vai estabelecer o que é útil, eficiente e lucrativo. Importa por isso competir. O mercado mundial torna-se um grande campo de batalha.

A voracidade do ter, capitalizado, aparece como tentação constante deste sistema. Quem conta são os que conseguem competir. Os demais, excluídos do sistema, são entregues a própria sorte, sacrificados. E a natureza por sua vez, é sugada ao máximo para o poder do acúmulo. Isto levou a uma lógica de depredação, apontando para um desenvolvimento insustentável. Com o intuito de acompanhar o processo de globalização econômica e querendo garantir as possibilidades para as gerações futuras surgiu a sustentabilidade, característica de um processo de desenvolvimento que visa a assegurar as condições satisfatórias para as gerações futuras.

As distorções causadas pelos modelos de desenvolvimento adotados acabam por fazer emergir problemas nas diversas dimensões: ambientais, culturais, educacionais, sociais, etc. gerando catástrofes naturais e sociais tais como a pobreza, a fome, a miséria, a saúde e que acabam por traduzir-se em violência, perceptíveis em todas as camadas sociais.

A educação é o principal referencial de mudanças tanto em sua forma atual como na maneira em que é utilizada pelas classes dominantes. Para que ocorra transformação no modelo econômico, ou para ao menos garantir essa característica de sustentabilidade é que a Educação desempenha um papel fundamental em todas as camadas da população, quer seja esta classificada por faixa etária, nível econômico ou outro critério. A Educação diz respeito a todos e no decorrer de toda a vida.

A Filosofia e suas Contribuições:

Apontar a filosofia como contribuição na educação exige algumas considerações às quais partirei do pensamento de Marilena Chauí (2001:9) a respeito da filosofia. Para ela quando desejamos conhecer por que cremos no que cremos, por que sentimos o que sentimos e o que são nossas crenças e nossos sentimentos estaríamos começando a adotar o que chamamos de atitude filosófica.

Percebemos que em um primeiro momento a Filosofia é a decisão de não aceitar como óbvias e evidentes as coisas, as idéias, os fatos, as situações, os valores, os comportamentos de nossa existência cotidiana sem antes havê-los investigado e compreendido.

A primeira característica da atitude filosófica é negativa, pois diz não ao senso comum, às idéias da experiência cotidiana, ao estabelecido. A segunda característica da atitude filosófica é positiva, pois interroga sobre o que são as coisas, as idéias, os fatos, as situações, os comportamentos, os valores, nós mesmos. É também uma interrogação sobre o porquê disso tudo e de nós, e uma interrogação sobre como tudo isso é assim e não de outra maneira. A face negativa e a face positiva da atitude filosófica constituem a atitude crítica e o pensamento crítico.

Segundo Chauí (2001:15) em nossa cultura e em nossa sociedade, costumamos considerar que alguma coisa só tem o direito de existir se tiver alguma finalidade prática, muito visível e de utilidade imediata. Por isso, ninguém pergunta para que as ciências, pois todo mundo imagina ver a utilidade das ciências na aplicação à realidade.

O senso comum não enxerga algo que os cientistas sabem muito bem que verdade, pensamento, procedimentos especiais para conhecer fatos, relação entre teoria e prática, correção e acúmulo de saberes: tudo isso não é ciência, são questões filosóficas. O cientista parte delas como questões já respondidas, mas é a Filosofia quem as formula e busca respostas para elas. Assim, o trabalho das ciências pressupõe, como condição, o trabalho da Filosofia, mesmo que o cientista não seja filósofo.

Assim, mesmo se disséssemos que o objeto da Filosofia não é o conhecimento da realidade, nem o conhecimento da nossa capacidade para conhecer, mesmo se disséssemos que o objeto da Filosofia é apenas a vida moral ou ética, ainda assim, o estilo filosófico e a atitude filosófica permaneceriam os mesmos, pois as perguntas filosóficas - o que, por que e como - permanecem.

A palavra filosofia é grega. É composta por duas outras: philo e sophia. Philo deriva-se de philia, que significa amizade, respeito entre os iguais. Sophia quer dizer sabedoria e dela vem à palavra sophos, sábio. Filosofia significa, portanto, amizade pela sabedoria, amor e respeito pelo saber. Filósofo: o que ama a sabedoria, tem amizade pelo saber, deseja saber. Assim, filosofia indica um estado de espírito, o da pessoa que ama, isto é, deseja o conhecimento, o estima, o procura e o respeita.

Educação na filosofia Platônica:
Platão (1973, Livro VII da República) narra o Mito da Caverna, alegoria da teoria do conhecimento e da paidéia platônicas o qual compara o acorrentado ao homem comum que permanece dominado pelos sentidos, pelas paixões e que só atinge um conhecimento imperfeito da realidade (doxa). O homem que se liberta dos grilhões é capaz de atingir o verdadeiro conhecimento, a episteme (ciência).
Com esta história Platão quer mostrar que devemos aprender a raciocinar por nós mesmos, ver além das coisas concretas e do senso comum . Na Alegoria da Caverna, as sombras são as idéias impostas como únicas, o prisioneiro que se liberta é o filósofo, que se ofusca com a luz do sol que representa a realidade. Para Platão, a educação não consiste em trazer o conhecimento de fora para dentro, mas em despertar nos indivíduos o que eles já sabem.

Educação nos ensaios de Michael de Montaigne:
Montaigne diz nos Ensaios que as primeiras reflexões que devem alimentar o entendimento são as que regulam seus costumes e seu senso, que lhe ensinarão a se conhecer e saber morrer bem e viver bem. Ele acena que nossa educação deve formar indivíduos que saibam pensar, e não meros repetidores, como ele mesmo diz: "formar não um gramático ou um lógico mas um fidalgo" (1972:152) Montaigne repudia o homem que não pensa por si mesmo assim como aquele que não retira proveito da sabedoria que adquire: "nada ignoram da teoria, mas não acheis um que a possa pôr em prática" (1972:142).
Percebemos que para Montaigne, a educação deve formar homens conscientes de sua realidade, atuantes e autônomos, não simples homens cheios de ciências. Sua proposta é que as pessoas tenham uma visão esclarecida da sociedade, que possam formar opiniões de maneira racional, sem que para isso caiam em um extremado intelectualismo que nada acrescenta de positivo ao convívio social.
A educação não deve possuir a lógica de mercado e sim deve desenvolver a humanidade como um todo de maneira sustentável longe do individualismo e consumismo depredante sem conseqüências futuras assumindo apenas a lógica capitalista.

Immanuel Kant e o ensinar a pensar:
Para Kant (1992, Theoretical Philosophy) o professor deve desenvolver no seu aluno, em primeiro lugar, o homem de entendimento, depois, o homem de razão, e, finalmente, o homem de instrução. Este procedimento tem esta vantagem: mesmo que, como acontece habitualmente, o aluno nunca alcance a fase final, terá mesmo assim beneficiado da sua aprendizagem. Terá adquirido experiência e ter-se-á tornado mais inteligente, se não para a escola, pelo menos para a vida.
Se invertermos este método, o aluno imita uma espécie de razão, ainda antes de o seu entendimento se ter desenvolvido. Terá uma ciência emprestada que usa não como algo que, por assim dizer, cresceu nele, mas como algo que lhe foi dependurado.
Percebemos na educação atual uma repetidora de aprendizagens e de conhecimentos dominantes e defendemos como Kant a importância de filosofar, guiados para reflexão e produção de conhecimento longe da lógica de mercado atual e sim caminhando para a sustentabilidade.

Antônio Gramsci e a crítica à educação elitista:
Alguns conceitos criados ou valorizados por Gramsci hoje são de uso corrente em várias partes do mundo. Um deles é o de cidadania. Foi ele quem trouxe à discussão pedagógica a conquista da cidadania como um objetivo da escola. Ela deveria ser orientada para o que o pensador chamou de elevação cultural das massas, ou seja, livrá-las de uma visão de mundo que, por se assentar em preconceitos e tabus, predispõe à interiorização acrítica da ideologia das classes dominantes.

A educação como leitura de mundo em Paulo Freire:
A metodologia fundada na leitura do mundo foi um importante instrumento de trabalho em sua teoria do conhecimento. Paulo Freire destaca:
Que a transitividade ingênua precisa ser promovida pela educação à crítica, a qual, fundando-se na razão, não deve significar uma posição racionalista, mas uma abertura do homem, através de que, mais lucidamente, veja seus problemas.
Posição que implica a libertção do homem de suas limitações, pela consciência dessas limitações (FREIRE, 2001:113 e 114). O tema da Leitura do Mundo em Paulo Freire aparece ao longo de toda a sua obra. É um dos fios que permitiu tecer a "educação como prática da liberdade" Paulo Freire (1984, Pedagogia do oprimido) defendia a mudança na sociedade através de uma "reforma interna" do homem, via "conscientização". "Uma pedagogia da liberdade pode ajudar uma política popular, pois a conscientização significa abertura à compreensão das estruturas sociais como modos de dominação e violência (...)" (1984, Educação como prática da liberdade).
Paulo Freire defendia a tese de uma educação que desenvolvesse a consciência crítica, que promovesse a mudança social. E não haveria mudança sem a compreensão crítica da realidade vivida, ou seja, sem a Leitura do Mundo. Daí, o papel da educação seria, então, o da conscientização e o conhecimento construído através do processo educativo teria a função de motivador e impulsionador da ação transformadora.
No processo de desenvolvimento sustentável é esta mesmo relação que
devemos ter, a partir do local cotidiano para o universal.
Devemos muito a filosofia da educação de Paulo Freire, até em nível mundial. Não podemos colocar Paulo Freire no passado. Ele foi muito original sobretudo porque despertou nas pessoas a crença na sua capacidade de "mudar o mundo", de ler o mundo para escrever o mudo. Para isso o pensamento de Paulo Freire é imprescindível para o desenvolvimento sustentável.

Conclusão:
Promover a inserção humana no equilíbrio dinâmico sustentável é um problema de percepção, de visão de mundo, mas vivemos uma crise de percepção. A realidade em que estamos inseridos exige um novo significado de educação longe de interesses dominantes que na prática são insustentáveis. Precisamos de uma educação libertadora e de consciência crítica de mundo, que seja compartilhada com milhares de excluídos, que os fortaleça, que, diferente do mundo globalizado que a usa sob a ética de mercado, adote a ética universal do ser humano.
A Leitura do Mundo nos mostra que hoje o planeta está em perigo. A lógica do mercado, do capital, que oprime, segrega, exclui seres humanos da vida com dignidade, também se aplica sobre o planeta Terra. Por isso necessitamos de uma educação para a sustentabilidade que reafirme os valores da ética global, da integridade ambiental e da justiça econômica e sócio-cósmica.
É neste sentido que apontar a filosofia da educação, resgatando pensadores da educação, em especial Paulo Freire, percebemos o principal instrumento de libertação do senso comum em uma nova leitura de mundo, condição necessária, na educação do presente e do futuro, para resgatar a centralidade da preocupação com o ser humano no processo educacional, voltada para o futuro, uma educação voltada para a construção do sonho de uma cidadania planetária de alteridade cósmica sustentável.


Referência
http://www.unifae.br/publicacoes/pdf/sustentabilidade/alexandre_osmar_editorado.pdf

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